domingo, 9 de outubro de 2011

O centenário de um poeta musical




Nélson Cavaquinho, com o instrumento que ficou identificado ao seu nome, desde a juventude nas rodas de choro.



No próximo dia 29 de outubro, a música brasileira comemorará o centenário de um de seus mais talentosos poetas musicais. Nélson Antônio da Silva, ou como era popularmente conhecido, Nélson Cavaquinho, integrou uma geração que nasceu no início do século XX e que elevou a música brasileira a um patamar de elevadíssima qualidade e sofisticação. Dessa geração faziam parte gênios musicais como Noel Rosa, Cartola, Luiz Gonzaga, João de Barro, Lamartine Babo, entre inúmeros outros, que seria um não terminar tentar elencar aqui.
Nélson nasceu no Rio de Janeiro, numa família modesta, sendo seu pai integrante da Banda da Polícia Militar. Essa origem exerceu sobre ele uma dupla influência, por um lado Nélson, logo após o casamento com Alice Neves, por volta dos 20 anos de idade, ingressou na corporação policial, a qual acabou deixando alguns anos depois. Por outro, desde jovem passou a acompanhar rodas musicais de chorinho e identificou-se com o cavaquinho, vindo esse instrumento a fazer parte de seu nome musical.
Nas rondas policiais que fazia no morro da Mangueira, conheceu Carlos Cachaça e Cartola, de quem se tornou amigo e parceiro. Sua identidade com a Escola de samba daquele morro foi tão profunda, que acabou se tornando numa das principais referências musicais da agremiação. No Carnaval de 2011, a Escola entrou na avenida com um enredo homenageando seu ilustre compositor.

Nélson e Cartola, grande amigo e parceiro, em desfile da Mangueira.




Separado do primeiro casamento, Nélson ainda casou-se aos 50 anos, com a jovem Durvalina, então com 20 anos e que foi sua companheira pelo resto da vida. Faleceu no mesmo Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1986.
Suas músicas sofisticadas, várias com seu parceiro mais freqüente Guilherme de Brito, falavam de sofrimentos da vida, saudades, amores desfeitos, envelhecimento, temas que alimentam boa parte da trama da existência. Em A Flor e o Espinho, como se estivesse num desfile, fala para um amor desfeito “tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”. Homenageia sua Escola de coração em Folhas Secas: “Quando eu piso em folhas secas. Caídas de uma mangueira. Penso na minha escola. E nos poetas da minha estação primeira. Não sei quantas vezes. Subi o morro cantando. Sempre o sol me queimando. E assim vou me acabando”. Na sombria Luz Negra “A luz negra de um destino cruel. Ilumina um teatro sem cor. Onde estou desempenhando o papel. De palhaço do amor”. Em Caridade, fala com grande realismo sobre a experiência da pobreza “Não sei negar esmola. A quem implora a caridade. Me compadeço sempre de quem tem necessidade. Embora algum dia eu receba ingratidão. Não deixarei de socorrer a quem pedir o pão. Eu nunca soube evitar de praticar o bem. Porque eu posso precisar também”. Um verdadeiro baú de preciosidades ainda pode ser encontrado em seu vasto acervo musical, onde encontramos verdadeiros clássicos como Palhaço, Quando eu me chamar saudade, Vou partir, Degraus da vida, Rugas, entre tantas outras.













Nélson e o violão, que se tornou seu instrumento após o cavaquinho.

Importante destacar que, ao contrário do que prega certa percepção equivocada a respeito da música popular brasileira – de que a música feita pelas camadas mais pobres da população é tosca, brutal, banal, grosseira – compositores de origens e vidas pobres como Nélson Cavaquinho, Cartola, entre tantos outros, fizeram composições com grande sofisticação musical e poética. Alegar que o mal gosto institucionalizado, que tomou conta das rádios e televisões brasileiras, é culpa do mal gosto popular, é deixar de lado a percepção de que interessa a um sistema social como esse brutalizar as pessoas para aceitarem a vida como uma selva na qual importa apenas competir insanamente uns contra os outros.

Em "Os Quatro Grandes do Samba" (1977) seu reuniram Nélson, Candeia, Guilherme de Brito e Élton Medeiros, numa obra do mais alto quilate musical.

2 comentários:

Alexandre Henrique disse...

Nélson do Cavaquinho, saudoso parceiro de Cartola, e símbolo da verde e rosa, belo artigo sobre um músico genial que atravessou os gêneros musicais e por isso mesmo que nunca é esquecido.

HistóriaOffline disse...

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