sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Engenho: escravidão e religião





O filme sugere ricas discussões acerca da escravidão e das relações de poder.










Escrevo esse breve texto logo após assistir ao clássico filme cubano A Última Ceia (La Ultima Cena, direção de Tomás Gutiérrez Alea , 1976). Já fazia bastante tempo que ouvira falar dele, mas assisti-lo parecia sempre um objetivo inalcançável, dadas as diversas tentativas frustradas em obtê-lo.
A ação do filme se passa em um engenho de açúcar nas cercanias de Havana, em finais do século XVIII, durante a Semana Santa. Nesse momento, o Conde, proprietário do engenho, se vê dividido entre as demandas da produção, representadas pelo maestro Don Manuel (o administrador) e as cobranças do Padre, preocupado com as práticas cristãs e a obediência ao calendário litúrgico.
Tomado por profundas angústias e dúvidas, o Conde resolve realizar uma representação da Santa Ceia, determinando a escolha de 12 escravos para desempenharem o papel dos apóstolos, assumindo ele o papel de Jesus Cristo. Pretendia o Conde instilar, através do exemplo, as virtudes da obediência, da resignação e da submissão ao poder do Senhor e do seu senhor. Ao longo de algumas horas de banquete, os diálogos apresentam de forma bastante sutil e não-maniqueísta as diversas idiossincrasias das relações entre senhores e escravos e dos escravos entre si, com suas distintas tradições africanas, rivalidades e táticas de resistência frente ao sistema escravista.
Acompanhar atentamente os diálogos entre o Cristo-conde e seus apóstolos-escravos é uma rica experiência de perceber as dissonâncias e os ruídos na comunicação entre pessoas separadas pelo abismo da opressão. Os pequenos deslocamentos dos sentidos das palavras deixam entrever um quase diálogo de surdos, no qual cada um diz algo que os demais compreendem como querem compreender. Cada risada, cada choro tem múltiplos significados perpassados por uma tensão inerente à condição dos personagens.











O Conde-cristo e seus escravos-apóstolos. Diálogo truncado pelas condições concretas da escravidão.


Um ponto fundamental é a compreensão de alguns princípios religiosos como bondade, paraíso, salvação, igualdade, entre diversos outros, que são diferentemente apropriados por escravos e senhores e entre escravos em diferentes situações concretas de vivência do cativeiro. O filme nos leva a pensar no brilhante e mais recente livro Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue (1998), de Emília Viotti da Costa, que analisou com grande percuciência uma rebelião de escravos acontecida em Demerara (Guiana Inglesa) no ano de 1823, investigando em especial a relação entre a mensagem religiosa e a escravidão e como as diferentes formas de entendimento da mensagem bíblica entre os escravos poderiam incentivar desde comportamentos compassivos até os mais explosivos.
O filme contou com a assessoria do historiador Manuel Moreno Fraginals, autor do clássico O Engenho (1974), obra na qual o autor analisou em detalhes todo o sistema produtivo açucareiro cubano. Podemos observar, alguns aspectos da produção açucareira e da sociedade que se constituiu em torno do grande complexo produtivo do engenho.
A menção a essas obras acima, nos lembra da importância de percebermos como uma boa investigação não pode desprezar as mais diversas dimensões do fazer histórico, que engloba questões mais amplas da economia política e da cultura, sem incorrer nas práticas reducionistas tão comuns nos dias que correm, através das quais apenas se trocam os sinais dos dogmatismos políticos ou economicistas pelos culturalistas, sem perceber que a história que os humanos fazem em sua vida concreta não separa essas coisas.
A Última Ceia é um filme que suscita muitas outras questões além das que apontamos muito brevemente aqui e que merece ser assistido e debatido nas aulas de História ou em outras ocasiões mais informais, nas quais se queira discutir algo um pouco mais interessante do que as últimas fofocas do Big Brother.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Manifesto da ANPUH sobre medida desastrada do STF

A venda vermelha no Judiciário, pela ignorância em relação à História.





A Associação Nacional de História (ANPUH), através da divulgação do manifesto O STF NÃO SABE O QUE É HISTÓRIA, protestou contra medida da Presidência do STF de estabelecer critérios de relevância de documentos, com evidentes fins de descarte dessas importantes fontes para a pesquisa histórica.

Não é de hoje que os Poderes da República manifestam o maior descaso com a salvaguarda dos acervos documentais e são diversas as denúncias de destruição de documentos em todo o país, fruto da incúria com esse patrimônio público.

No documento da ANPUH (acessível através do link do título dessa postagem) são tecidas severas críticas sobre os conhecidos gastos do Judiciário com instalações luxuosas, ao passo que inexiste uma vontade efetiva de investir na preservação dos acervos documentais, que deveria ser preocupação constante de todas as autoridades constituídas.

Também são tecidas críticas sobre os critérios para definir o que são documentos relevantes para a preservação, uma vez que isso toca em atribuição de certos valores, que tendem a privilegiar grandes personagens e deixar nas sombras as pessoas comuns. Exemplifica-se esse problema chamando atenção para obras que pesquisaram documentos outrora considerados irrelevantes, reconhecidos hoje como de crucial importância para a pesquisa de diversos temas e períodos.

A comunidade dos historiadores deve se manifestar com veemência contra tal tipo de medida, que apenas desserve a historiografia brasileira.

Arqueólogos encontram selo com mais de 1,5 mil anos em Israel

Objeto em forma de candelabro era usado para marcar o pão a ser consumido pelas comunidades judaicas, que viviam sob o Império Bizantino


Um grupo de arqueólogos israelenses encontrou em Acre, no norte do país, um selo com forma de candelabro utilizado para marcar o pão há mais de 1.500 anos, informou nesta terça-feira, 10, a Direção de Antiguidades de Israel em comunicado.

O selo, de pequeno tamanho e feito de cerâmica, deixava sobre a superfície do pão a figura de um candelabro de sete braços como o utilizado no segundo Templo de Jerusalém. Esta era uma forma de marcar o pão destinado às comunidades judaicas da época que viviam sob o Império Bizantino.

"Esta é a primeira vez que um selo deste tipo é achado em uma escavação científica controlada, o que torna possível determinar sua origem e sua data", afirmou Danny Syon, um dos diretores da escavação em um povoado rural aos arredores de Acre, cidade notoriamente cristã naquela época.

Segundo os arqueólogos, o achado demonstra que os judeus viviam na região e que o pão era marcado para enviá-lo aos que residiam dentro da cidade, uma espécie do atualmente empregado selo "kosher" para produtos que respondem às estritas normas da cozinha judaica.

O costume também se assemelha ao dos cristãos da época, que marcavam seus pães com uma cruz. Em letras gregas, ao redor do selo judeu, está o que parece ser o nome do padeiro, "Launtius", comum entre a comunidade judaica da época.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Acervo do Museu da Música de Mariana é reconhecido pela Unesco

Museu da Música de Mariana








A importância do acervo do Museu da Música de Mariana (MG), que abriga mais de 2 mil partituras originais, foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) por meio do Diploma do Registro Regional para a América Latina e o Caribe.

O título foi concedido pelo Programa Memória do Mundo, cujo objetivo é identificar e certificar patrimônios documentais de relevância internacional, regional e nacional, facilitando assim sua preservação e acesso pelo público geral.

Segundo a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a coleção de música sacra manuscrita do Museu da Música de Mariana, considerada uma das mais importantes da América Latina, estava em condições precárias de conservação e foi recuperada graças ao projeto “Acervo da Música Brasileira”, coordenado pelo professor Paulo Castagna, do Instituto de Artes da Unesp.

Detalhe do acervo do Museu da Música de Mariana







O projeto revelou ainda peças inéditas de compositores como Lobo de Mesquita, José Maurício Nunes Garcia e João de Deus de Castro Lobo. Outros menos conhecidos, como Miguel Teodoro Ferreira, Frutuoso de Matos Couto e Manuel Dias de Oliveira, também começaram a ter sua memória resgatada.