sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um professor de História descobre a América


 No centro de New Andradine, um monumento da tradicional fogueira junina local e quatro radiais que convidam a ir para todos os lados do continente. Um "ponto de partida" para descobrir a América. 



                Certas percepções que desenvolvemos ao longo de tempos, às vezes são resultado mais do acúmulo de preconceitos ou desinformação que de decisões totalmente conscientes de nossa parte.
                O fato é que concluí a graduação em História no octogésimo oitavo ano do século passado e tive uma experiência bastante desagradável com as maçantes aulas de História da América, que criaram em mim uma aversão mais ou menos inconsciente pela história de nosso continente. Confesso que tenho certa admiração e solidariedade por Cuba, mas nunca tive uma percepção romantizada da situação daquele país, predominando um certo afastamento em relação à forma passional como se discute a situação cubana. Arrastei essa situação por décadas, muito embora tivesse aqui acolá alguma evidência de que essas cismas eram infundadas e que precisaria ampliar meu campo de visão em relação à América.
                Em quase vinte anos de residência em Campinas (SP), comecei a ter um deslocamento da forma de olhar para o Brasil. Umas poucas vezes que peguei as longas estradas paulistas que se dirigiam para o oeste, parecia que me defrontava com outro mundo. Trafegar nas rodovias Castello Branco, Raposo Tavares, Marechal Rondon, Washington Luiz e Anhanguera me permitiu olhar para uma paisagem física e cultural muito peculiar, marcada por uma dinâmica muito diferente do que estava acostumado. Em entrevista dada a revista brasileira no início dos anos 1980, o historiador Fernand Braudel comentara que, o passar no oeste paulista e no Mato Grosso, quarenta anos antes, tinha percebido que ali a história era algo vivo, eram cidades que surgiam do dia para a noite, pessoas que lembravam da abertura de estradas, tudo era movimento, ao contrário do interior de sua França natal, onde a história parecia passar em câmera lenta, onde tudo parecia carregar o peso de séculos.  
Por volta de 1994 fui de ônibus a Corumbá (MS), para ministrar um minicurso num Encontro Nacional de Estudantes de História. Durante a madrugada, fiquei simplesmente pasmo na longa travessia do Rio Paraná, entre Presidente Epitácio (SP) e Bataguassu (MS), que parecia não acabar, com aquela imensidão de água em meio à escuridão cerrada da noite. Em tempos futuros, muitas vezes voltei a passar por ali, e nunca consegui me livrar daquela sensação de sempre viver a singular e emocionante experiência pela primeira vez. Na sequência da viagem, passar pela Serra de Maracaju e atravessar o Rio Paraguai por via de balsa foi uma dessas experiências indescritíveis sobre as quais apenas o viver pode dar a dimensão exata. Um jantar num restaurante ao som de uma guarânia e conhecer o mundo semi-líquido do Pantanal foram dessas coisas oníricas. Minha primeira fronteira internacional foi em direção a Puerto Suarez, na Bolívia, da qual minha lembrança abarca apenas uma espécie de grande feira de trecos eletrônicos, que o colega de viagem Manolo Florentino batizou oportunamente de “Disneylândia do consumo”. 
                Em 2006 me coube a aventura de ingressar num Campus de expansão da UFMS, na cidade de Nova Andradina, situada próxima à fronteira paulista. A posse em Campo Grande e a viagem para a nova cidade foi a única experiência mais ou menos easy rider que tive até hoje. Tirando o fato de que estava portando uma nomeação para um cargo público – o que não era nenhuma aventura sem destino – fiz questão de não ver nenhuma foto da cidade na qual iria morar. O pouco que sabia é que tinha cerca de 40 mil habitantes e estava marcada no mapa. Só. Ao chegar no novo território, confesso meu total alívio ao ver uma Lan House, ufa!!! Comemorei ao ver um cruzamento de trânsito com um semáforo. Intimamente só cantarolava em espírito a velha música de Bat Masterson: “no velho oeste ele nasceu, e entre bravos se criou...”.
                No hotel de viajantes no qual vivi dois meses, conheci algumas figuras inenarráveis, como o proprietário, uma espécie de Dorival Caymmi que nunca viu o mar. Todos os finais de tarde ele se sentava em cadeiras na calçada, acompanhado de seu indefectível tereré e ficava proseando horas embaixo de duas palmeirinhas que garantiam o ar de tropicalidade necessário. No ir e vir dos viajantes, estavam alguns trabalhadores das linhas de transmissão das hidrelétricas do Rio Paraná – um deles piauiense –, que se penduravam em alturas de 60 ou mais metros, bem na beira daquele monstro de água, num tipo de trabalho que era arriscado até de pensar.
                Com o tempo fui podendo fazer comparações, percebendo algumas similaridades com o até então conhecido e as novidades e a surpresa da descoberta. Saber que uma tal de sopa paraguaia era um tipo de bolo salgado não foi das menores. Outras pessoas e coisas foram passando pelas minhas retinas e ouvidos. Alunos descendentes de todos os tipos que por ali passavam ou se radicavam, como cearenses, japoneses, gaúchos, baianos, tchecos, paranaenses, árabes, mineiros, italianos e mais uma miscelânea de gente que se cruzava ali, nas proximidades do centro da América do Sul. Na cidade teve até Prefeito paraibano. Na praça central da cidade o “paraguaizinho” reunia as pessoas de todas as procedências e lá pude comprar um providencial guarda-chuva, numa tarde muito fria e chuvosa dois dias após minha chegada. Flanar às altas horas da noite pelas ruas da cidade, sozinho ou acompanhado e conversando com os amigos Marcelino, Paulo ou Charley, era uma experiência inesquecível. Numa dessas conversas, Charley me falou sobre a dinâmica das massas de ar oceânicas e continentais para me explicar os motivos do calor tão forte e seco que fazia em certas épocas. Marcelino contava sobre as aventuras de um tio que participou da abertura de cidades no norte do Mato Grosso na década de 1970. Paulo comentava sobre suas andanças por todos os rincões de imenso sulmatogrossense.
O cotidiano ditava o ritmo da própria história. Aos domingos, o cheiro de churrasco tomava conta da cidade. Na região, o Rio Ivinhema, caudaloso e por onde passaram algumas monções no século XVIII, onde pude mergulhar numa calorenta tarde de verão. Certo final de tarde, no ônibus, em direção a Casa Verde, vi em linha reta o sol poente e a lua cheia, numa fabulosa oportunidade de realmente perceber a posição do nosso planeta no cosmo. À boca miúda algumas pessoas me contaram uma história escabrosa sobre o “remoto passado” da fundação da cidade, cerca de cinco décadas antes, e sobre o “desaparecimento” de trabalhadores de madeireiras numa tal Lagoa do Sossego, que era o lembrete sobre os terríveis processos de territorialização que, desde o século XVI, marcam a vida das diversas fronteiras até os dias que correm. Num Museu bem montado, era possível ver fotografias de imensas árvores, das quais praticamente nada tinha restado entre os pastos e plantações de soja, cana e outras atividades agropecuárias. Também eram notáveis as pequenas casas de madeira (nas quais entrei em muitas), que lentamente desaparecem do cenário urbano, eram testemunhas bastante marcantes das populações que ali foram se estabelecendo nos meados do século passado.
O silêncio eloqüente sobre os índios era marca indelével de processos conflituosos relegados à neblina de uma memória tênue dos primeiros tempos. Alguns anos depois, já em João Pessoa, ao ler a autobiografia de Darcy Ribeiro, pude ter alguma pista dos ofaié com os quais ele se defrontou nos anos 50, em um sítio nas beiras do Ivinhema. Essa pequena descoberta me sugeriu um cartão de ano novo bastante diferente para os já ex-alunos no final de 2009. Um verdadeiro “choque cultural” foi a impressão que fiquei da visita à reserva indígena de Dourados, bem no meio da cidade, com um monte de mazelas vividas pelos grupos indígenas que habitavam aquela área e sofriam todas as pressões das suas rivalidades internas e da conflituosa convivência com a sociedade não-indígena. Muitos alunos me perguntaram, na ocasião, o que eu tinha achado daquela visita. O máximo que pude responder foi com um silêncio pasmado que escondia minha inquietação e meus limites para entender o que via. Confesso, apenas, que me vinha insistentemente à cabeça a leitura que fizera anos antes, para minha pesquisa de Doutorado, da Relação da missão do padre capuchinho Martin de Nantes, e que narrava dramaticamente aspectos cruéis do conflito entre uma frente de expansão pecuarista e as populações indígenas do Rio São Francisco no já longínquo século XVII.    
                Não pude circular mais pela região como desejaria, mas fui várias vezes a Campo Grande, sempre observando a paisagem, tudo que se oferecia à apreciação do olhar. As avenidas muito largas, que indicavam uma cidade de implantação mais recente (em comparação com nossas antigas cidades coloniais) e que sugeriam um movimento de circulação de pessoas e coisas pelos antigos campos da vacaria. A presença sensível da fronteira internacional, os destacamentos militares, a espacialidade da cidade, o cerrado e o campo de visão “infinito”, tudo que convida a aguçar os nossos sentidos e o nosso intelecto e nos lembra dois versos de Zé Ramalho: "nada digo e tudo faço, viajo nas amplidões". Municípios imensos, nos quais andamos mais de cem quilômetros sem sair de suas fronteiras. Poucas vezes fui a Dourados, cercada por uma verdadeira potência agrícola e singrada por imensos caminhões de grãos e outros produtos que se dirigiam a Paranaguá. Pisei uma única vez nas cidades geminadas de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero (Paraguai), onde entrei incrédulo num tal Shopping China (solene templo dos eletrônicos) e vi o comércio bastante ativo nas ruas de ambas as cidades. Muamba, bom, muamba, muita muamba. As ruas de ambas as cidades-países guardavam a lembrança de que ali havia uma fronteira, que não apenas deixa passar, mas também estabelece limites. De ambos os lados eram general tal, tenente tal, capitán tal e todos por ali, no nome do chão das cidades, protagonistas da guerra que sacudiu aquela região mais de um século antes.
                A experiência mais singular, no entanto, se deu num final de tarde, na rodoviária de New Andradine (nome atribuído pelo meu amigo Marcelo). Esperava um ônibus que vinha de Dourados para Campinas, quando chegou o transporte. Ao me dirigir para o veículo, o motorista informou que haveria uma parada de 15 minutos e que esperasse. Então, se desenrolou uma dessas cenas simplesmente fora de órbita: desceram do ônibus, trajados a caráter, cinco paquistaneses, com seus tapetinhos e uma bússola. Localizaram Meca e realizaram suas preces vespertinas. Uma assustada senhora me perguntou, meio sussurrando, se era o “Bin Lader”, e eu só pude dizer que eram uns primos daquela celebridade. Ao entrarmos no ônibus, eles mandaram ver no consumo de Coca-Cola e fizeram mais algumas preces ao longo do caminho. Poucas horas depois, já em Teodoro Sampaio, uma cidade praticamente nordestina no oeste de São Paulo, os companheiros de viagem abriram seus tapetinhos para orar, na calçada próxima a um prostíbulo de beira de estrada, atraindo a atenção de todos os transeuntes que por ali passavam e importunando o expediente das moças. Algum tempo depois, meu enciclopédico amigo Paulo Valadares informou que aqueles paquistaneses eram açougueiros contratados pelo governo da Arábia Saudita para fiscalizar os abatedouros de gado no Mato Grosso do Sul. Nossa espécie é mesmo muito surpreendente.
                Se nosso tempo é linear, ele também comporta circularidades surpreendentes. Depois de duas décadas, voltei a morar em João Pessoa, no extremo oriental do continente. Recriar novas raízes, refazer minha identidade pessoense e paraibana parecia um novo desafio. Além do mais, para meu inicial desgosto, o Departamento de História havia me atribuído a disciplina de História da América II, justamente América, uma daquelas sobre a qual dissera, em alguma mesa de bar em algum lugar do mundo, o disparate de que “nunca daria aula, nem amarrado”. Além de queimar a língua tive de me virar e queimar a cachola para montar um programa de América colonial.
                Um ponto de partida foi pensar: por que, além de não gostar das aulas de minha antiga professora, eu tinha essa resistência em relação à América? Havia algo mais? E como eu poderia transformar a disciplina em algo interessante para os alunos se o desinteresse inicial era meu?
                Ante essa inquietação, num determinado dia, percebi que uma propaganda turística da cidade dava uma pista para pensar na questão: sermos o ponto extremo oriental do continente não era algo gratuito. Percebi que olhávamos para o continente a partir de uma perspectiva, digamos, atlântica. O restante do continente (onde habitamos um dos extremos) era uma experiência pouco palpável. Não apenas a nossa massa de ar é oceânica, mas também nossa massa mental acompanha a circulação atmosférica e parece que estamos – ou pensamos estar – bem afastados da massa continental.

A ponta dos Seixas, no extremo do continente, nos induz o olhar para o leste, para o Atlântico. Às nossas costas, está a América. Aqui poderia ser outro "ponto de partida".


                Do patrimônio de minha experiência existencial, descobri que um professor de História também pode fazer sua descoberta pessoal da América. Aquele pedaço de continente onde vivi, aquelas estradas nas quais atravessei centenas de quilômetros de carro ou ônibus, aquelas pessoas ao mesmo tempo muito parecidas e profundamente diferentes, tudo aquilo era a América que descobri sem perceber e sobre a qual só tomei consciência quando a experiência do deslocamento e a inquietação do desafio de professor me levaram a juntar os pedaços. Estamos numa ponta do continente e temos pouca percepção dos profundos vínculos que acabam nos ligando a outras terras e outras gentes. Por essas e outras, penso que esse pode ser um ponto de partida através do qual podemos estabelecer o nosso porto de Palos para descobrir a nossa América.      

Com os alunos de New Andradine, em sala de aula, sem desconfiar que estava "descobrindo" a América. 


* Para os meus alunos e bons amigos, que me levaram e possibilitaram a descobrir a nossa América. Para Ivan Leardini, o Honorável Dan, que hoje apaga mais uma velinha.            
   

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Neandertais conheciam propriedades medicinais das plantas

Um grupo internacional de pesquisadores demonstrou que os neandertais que viviam no sítio arqueológico de El Sídron, na Espanha, conheciam as propriedades medicinais e nutricionais de algumas plantas, como a camomila, e incluíam vegetais em sua dieta.


A pesquisa, que contou com a participação de especialistas do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) da Espanha, da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e da Universidade de York (Reino Unido), chegou a estas conclusões a partir da análise do tártaro presente nos dentes de cinco indivíduos adultos e de um jovem da espécie.
Até pouco tempo atrás, pensava-se que os neandertais, que foram extintos há cerca de 30 mil e 24 mil anos, eram predominantemente carnívoros.
No entanto, cada vez mais estudos, como este publicado na revista alemã "Naturwissenschaften", mostram que a espécie também se alimentava de vegetais, sobretudo em latitudes mais ao sul, disse à Agência Efe Antonio Rosas, diretor do grupo de paleoantropologia do Museu Nacional de Ciências Naturais e um dos autores do trabalho.
"Está se observando que sobretudo em latitudes mais ao sul da Europa, como em El Sidrón, os neardentais tinham um componente vegetal nada desdenhável em sua dieta", explicou.
"A carne era claramente primordial, mas nossa pesquisa evidencia uma alimentação bastante mais complexa do que sabíamos até agora", explicou Karen.
A presença de componentes vegetais na dieta da espécie não é a única descoberta do trabalho. Segundo Rosas, foram encontradas evidências de fumaça no tártaro, provenientes, ao que tudo indica, de alimentos feitos à lenha.
O sítio arqueológico de El Sidrón, descoberto em 1994, possui a maior coleção de neandertais da Península Ibérica.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Por que Dia do Trabalhador e não Dia do Trabalho?















Dia do trabalhador ou do trabalho? A batalha sobre os diferentes significados da data


Frequentemente, os professores de História se defrontam com a necessidade de discutirem com seus alunos sobre os significados de determinadas datas selecionadas no calendário como comemorativas de determinado acontecimento, celebrizado pela memória popular ou pelas autoridades. Uma questão nada fácil é estabelecer um tipo de discussão sobre esses significados, que ultrapasse a mera louvação dos heróis da tradição ou que se esgote numa linguagem estéril e panfletária. Ambas acabam por adotar a mesma postura rasa e linear, que apenas inverte alguns sinais de quem são os mocinhos ou os bandidos, mas que não aprofunda e problematiza as questões que devem estar associadas a um ensino de História efetivamente crítico. A discussão dos significados de certas datas possibilita a problematização de questões que dizem respeito não apenas aos fatos rememorados em si, mas, principalmente, qual a relação que estabelecemos presentemente com essas questões, a partir dos desafios de nosso próprio tempo. No que diz respeito a uma dessas datas, há certa dúvida sobre sua denominação: afinal, 1° de Maio deve ser chamado de Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador? Esse questionamento é um bom ponto de partida para um professor de História discutir com seus alunos. A data de 1° de Maio está associada às lutas operárias do século XIX, que tiveram entre uma de suas grandes causas a jornada de 8 horas diárias de trabalho. Um dos grandes problemas que afligia os operários fabris era o das excessivas jornadas de trabalho sem qualquer proteção aos trabalhadores. Muitas fábricas contratavam mulheres e crianças para atividades estafantes, nas quais os acidentes de trabalho eram constantes e as mortes aconteciam com freqüência. Submetidos a brutais condições de trabalho, péssima moradia e alimentação, os trabalhadores buscavam se organizar para reivindicar direitos. As campanhas pela jornada de trabalho de 8 horas (8 horas de trabalho, 8 horas de descanso e 8 horas de lazer) se alastraram por vários países e provocaram importantes mobilizações de trabalhadores, apesar da intensa repressão que patrões e autoridades promoviam.










A luta pela jornada das oito horas gerou amplas mobilizações em diversos países em todo o mundo






No dia 1° de Maio de 1886, trabalhadores da cidade de Chicago (EUA) promoviam uma manifestação em favor da jornada de 8 horas, quando sofreram ataque da polícia, com saldo de vários mortos e feridos. Nos dias seguintes os protestos se repetiram, culminando com o massacre de Haymarket Square, no qual os trabalhadores foram acusados de atacar a polícia e sofreram brutal repressão e posterior perseguição.
















Massacre em Chicago, que se tornou referência para as lutas de trabalhadores em vários países

A data de 1° de Maio passou a ser adotada pelos movimentos operários como momento de luta contra a exploração do trabalho e o reconhecimento de direitos. Em vários países, a comemoração dessa data marcava um importante momento das lutas dos trabalhadores e de manifestação de suas reivindicações. Ao longo do século XX e início do XXI, no Brasil e em diversos países tivemos momentos de intensas lutas de trabalhadores pela busca de seus direitos, como a busca da proibição da exploração do trabalho infantil, a garantia da seguridade social, a melhoria salarial, entre diversas outras campanhas que mobilizaram gerações de trabalhadores nas cidades e no campo. As greves do ABC paulista, nos finais dos anos 1970, aparecem como um desses importantes momentos de luta, no qual os operários fabris desafiaram seus patrões e a repressão de uma ditadura militar que proibia essas manifestações. Elas marcaram lugar no conjunto das lutas sociais do Brasil nas últimas décadas.
















As greves do final dos anos 1970 no ABC paulista foram momentos significativos de luta dos trabalhadores, que desafiaram os patrões e a ditadura militar

Com o passar dos anos, em vez de simplesmente reprimir as manifestações dos trabalhadores – muito embora a repressão ainda seja prática comum –, as autoridades passaram a buscar o controle da data, tentando “domesticar” essas lutas numa homenagem ao trabalho e não aos trabalhadores. Daí decorre essa disputa em torno dos significados da data: para os movimentos de trabalhadores a data corresponde à manifestação de suas lutas, para as autoridades há a tentativa de restringir a data a uma condição oficial de celebração do trabalho. Em sociedades como a nossa, na qual a superexploração do trabalho é um traço constante, a disputa em torno desses significados do 1° de Maio ganha em atualidade. Certamente o trabalho, como atividade criadora humana, é uma dimensão importante da vida, mas o trabalhador preexiste ao trabalho, ele é que garante esse esforço de criação e recriação da vida e os resultados de seu esforço devem lhe retornar como usufruto dos bens que ele mesmo constrói.



















O avanço das novas tecnologias, apesar das promessas de libertação do trabalho estafante, trouxe novas modalidades de superexploração, que afetam trabalhadores das áreas mais avançadas da economia.



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Engenho: escravidão e religião





O filme sugere ricas discussões acerca da escravidão e das relações de poder.










Escrevo esse breve texto logo após assistir ao clássico filme cubano A Última Ceia (La Ultima Cena, direção de Tomás Gutiérrez Alea , 1976). Já fazia bastante tempo que ouvira falar dele, mas assisti-lo parecia sempre um objetivo inalcançável, dadas as diversas tentativas frustradas em obtê-lo.
A ação do filme se passa em um engenho de açúcar nas cercanias de Havana, em finais do século XVIII, durante a Semana Santa. Nesse momento, o Conde, proprietário do engenho, se vê dividido entre as demandas da produção, representadas pelo maestro Don Manuel (o administrador) e as cobranças do Padre, preocupado com as práticas cristãs e a obediência ao calendário litúrgico.
Tomado por profundas angústias e dúvidas, o Conde resolve realizar uma representação da Santa Ceia, determinando a escolha de 12 escravos para desempenharem o papel dos apóstolos, assumindo ele o papel de Jesus Cristo. Pretendia o Conde instilar, através do exemplo, as virtudes da obediência, da resignação e da submissão ao poder do Senhor e do seu senhor. Ao longo de algumas horas de banquete, os diálogos apresentam de forma bastante sutil e não-maniqueísta as diversas idiossincrasias das relações entre senhores e escravos e dos escravos entre si, com suas distintas tradições africanas, rivalidades e táticas de resistência frente ao sistema escravista.
Acompanhar atentamente os diálogos entre o Cristo-conde e seus apóstolos-escravos é uma rica experiência de perceber as dissonâncias e os ruídos na comunicação entre pessoas separadas pelo abismo da opressão. Os pequenos deslocamentos dos sentidos das palavras deixam entrever um quase diálogo de surdos, no qual cada um diz algo que os demais compreendem como querem compreender. Cada risada, cada choro tem múltiplos significados perpassados por uma tensão inerente à condição dos personagens.











O Conde-cristo e seus escravos-apóstolos. Diálogo truncado pelas condições concretas da escravidão.


Um ponto fundamental é a compreensão de alguns princípios religiosos como bondade, paraíso, salvação, igualdade, entre diversos outros, que são diferentemente apropriados por escravos e senhores e entre escravos em diferentes situações concretas de vivência do cativeiro. O filme nos leva a pensar no brilhante e mais recente livro Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue (1998), de Emília Viotti da Costa, que analisou com grande percuciência uma rebelião de escravos acontecida em Demerara (Guiana Inglesa) no ano de 1823, investigando em especial a relação entre a mensagem religiosa e a escravidão e como as diferentes formas de entendimento da mensagem bíblica entre os escravos poderiam incentivar desde comportamentos compassivos até os mais explosivos.
O filme contou com a assessoria do historiador Manuel Moreno Fraginals, autor do clássico O Engenho (1974), obra na qual o autor analisou em detalhes todo o sistema produtivo açucareiro cubano. Podemos observar, alguns aspectos da produção açucareira e da sociedade que se constituiu em torno do grande complexo produtivo do engenho.
A menção a essas obras acima, nos lembra da importância de percebermos como uma boa investigação não pode desprezar as mais diversas dimensões do fazer histórico, que engloba questões mais amplas da economia política e da cultura, sem incorrer nas práticas reducionistas tão comuns nos dias que correm, através das quais apenas se trocam os sinais dos dogmatismos políticos ou economicistas pelos culturalistas, sem perceber que a história que os humanos fazem em sua vida concreta não separa essas coisas.
A Última Ceia é um filme que suscita muitas outras questões além das que apontamos muito brevemente aqui e que merece ser assistido e debatido nas aulas de História ou em outras ocasiões mais informais, nas quais se queira discutir algo um pouco mais interessante do que as últimas fofocas do Big Brother.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Manifesto da ANPUH sobre medida desastrada do STF

A venda vermelha no Judiciário, pela ignorância em relação à História.





A Associação Nacional de História (ANPUH), através da divulgação do manifesto O STF NÃO SABE O QUE É HISTÓRIA, protestou contra medida da Presidência do STF de estabelecer critérios de relevância de documentos, com evidentes fins de descarte dessas importantes fontes para a pesquisa histórica.

Não é de hoje que os Poderes da República manifestam o maior descaso com a salvaguarda dos acervos documentais e são diversas as denúncias de destruição de documentos em todo o país, fruto da incúria com esse patrimônio público.

No documento da ANPUH (acessível através do link do título dessa postagem) são tecidas severas críticas sobre os conhecidos gastos do Judiciário com instalações luxuosas, ao passo que inexiste uma vontade efetiva de investir na preservação dos acervos documentais, que deveria ser preocupação constante de todas as autoridades constituídas.

Também são tecidas críticas sobre os critérios para definir o que são documentos relevantes para a preservação, uma vez que isso toca em atribuição de certos valores, que tendem a privilegiar grandes personagens e deixar nas sombras as pessoas comuns. Exemplifica-se esse problema chamando atenção para obras que pesquisaram documentos outrora considerados irrelevantes, reconhecidos hoje como de crucial importância para a pesquisa de diversos temas e períodos.

A comunidade dos historiadores deve se manifestar com veemência contra tal tipo de medida, que apenas desserve a historiografia brasileira.

Arqueólogos encontram selo com mais de 1,5 mil anos em Israel

Objeto em forma de candelabro era usado para marcar o pão a ser consumido pelas comunidades judaicas, que viviam sob o Império Bizantino


Um grupo de arqueólogos israelenses encontrou em Acre, no norte do país, um selo com forma de candelabro utilizado para marcar o pão há mais de 1.500 anos, informou nesta terça-feira, 10, a Direção de Antiguidades de Israel em comunicado.

O selo, de pequeno tamanho e feito de cerâmica, deixava sobre a superfície do pão a figura de um candelabro de sete braços como o utilizado no segundo Templo de Jerusalém. Esta era uma forma de marcar o pão destinado às comunidades judaicas da época que viviam sob o Império Bizantino.

"Esta é a primeira vez que um selo deste tipo é achado em uma escavação científica controlada, o que torna possível determinar sua origem e sua data", afirmou Danny Syon, um dos diretores da escavação em um povoado rural aos arredores de Acre, cidade notoriamente cristã naquela época.

Segundo os arqueólogos, o achado demonstra que os judeus viviam na região e que o pão era marcado para enviá-lo aos que residiam dentro da cidade, uma espécie do atualmente empregado selo "kosher" para produtos que respondem às estritas normas da cozinha judaica.

O costume também se assemelha ao dos cristãos da época, que marcavam seus pães com uma cruz. Em letras gregas, ao redor do selo judeu, está o que parece ser o nome do padeiro, "Launtius", comum entre a comunidade judaica da época.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Acervo do Museu da Música de Mariana é reconhecido pela Unesco

Museu da Música de Mariana








A importância do acervo do Museu da Música de Mariana (MG), que abriga mais de 2 mil partituras originais, foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) por meio do Diploma do Registro Regional para a América Latina e o Caribe.

O título foi concedido pelo Programa Memória do Mundo, cujo objetivo é identificar e certificar patrimônios documentais de relevância internacional, regional e nacional, facilitando assim sua preservação e acesso pelo público geral.

Segundo a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a coleção de música sacra manuscrita do Museu da Música de Mariana, considerada uma das mais importantes da América Latina, estava em condições precárias de conservação e foi recuperada graças ao projeto “Acervo da Música Brasileira”, coordenado pelo professor Paulo Castagna, do Instituto de Artes da Unesp.

Detalhe do acervo do Museu da Música de Mariana







O projeto revelou ainda peças inéditas de compositores como Lobo de Mesquita, José Maurício Nunes Garcia e João de Deus de Castro Lobo. Outros menos conhecidos, como Miguel Teodoro Ferreira, Frutuoso de Matos Couto e Manuel Dias de Oliveira, também começaram a ter sua memória resgatada.