Algumas teorias que tentam entender os nossos avoengos mais primitivos – aqueles que singravam as savanas em busca da sobrevivência própria e, por conseguinte, da espécie – informam que esses remotos antepassados recorriam a todo o tipo de circunstâncias par obter alimento, entre as quais o recurso à exploração de carniça de animais remanescente da predação de carnívoros mais potentes. Ser carniceiros foi uma condição que permitiu à espécie frágil obter energia suficiente para sobreviver e seguir em frente.
De
certa forma, nossos ascendentes primevos competiam com as hienas pela carniça e
esse traço da espécie parece ter remanescido em alguns, mesmo após milênios de
evolução física e cultural. Parte da espécie, digamos, a que conseguiu avançar,
passou a entender que não precisa manter-se em luta contra tudo e todos para
sobreviver, viver e bem viver. Estabelecendo meios de cooperação, de
colaboração, usando o intelecto verdadeiramente sapiens, compreendeu que seria possível melhorar a vida de cada um
e de todos e não gerar danos maiores ao restante da espécie e da natureza.
Outra
parte, parece que manteve ao traço psicológico das hienas e tem necessidade quase
transcendente de carniça para seguir em frente. Empunhando um chicote ou um
avançado aparelho eletrônico, está ali um ser humano em seu estado mais
atrasado, que podemos denominar homem capitalista (diga-se, de passagem, que
estamos usando o termo homem em seu velho significado genérico, muito embora
concretamente esse ser possa se manifestar em sexos, gêneros, etnias, culturas
distintas). Para esses seres atrasados, comportar-se como feras parece ser algo
meritório (se vangloriar como fera, animal, águia etc), mas seria melhor que os
denominássemos como hienas, uma vez que é da carniça que realmente gostam,
abusando do perfil de valentões (desse tipo de covardes que só são valentes mesmo
quando estão cercado por gangs de agressores físicos ou de assessores munidos
de laptops), enquanto escondem sua fragilidade intrínseca, pois só conseguem viver
sugando o esforço alheio, roubando e saqueando o suor dos demais, agredindo o
restante de sua espécie e o planeta. Há algo mais irracional do que alguém se
jactar de ser um bilionário? É simplesmente ridículo para o conjunto da
espécie.
Hiena em versão antiquada, empunhando o chicote. |
Hienas em versão moderna continuam a farejar carniça. |
É desses humanos atrasados que se fizeram os regimes de exploração social (em suas múltiplas e concretas configurações) e o capitalismo e que se criam as diversas formas de ditaduras políticas, econômicas e culturais, que nos fazem lembrar que está mais que atual o dilema “socialismo ou barbárie” que importa em escolhas que realmente exigem coragem: não devemos sugar o trabalho e o esforço alheios, não devemos aceitar que outros sejam explorados ou massacrados em função de suas diferenças ou fragilidades. Socialismo não deve significar qualquer forma de ditadura, mas a supressão mesmo de todos os regimes que promovam essas mazelas.
Chegando
de perto à ditadura brasileira, podemos identificar seus traços em séculos de
escravismo, no profundo desprezo que nossas elites-hienas têm por aqueles que
lhes alimentam e geram as condições de seus luxos (inclusive com a formulação
de “teorias” de inferioridade mal disfarçadas pelo cinismo e pela hipocrisia),
pela luta insana que empreendem pela manutenção de privilégios arraigados por
séculos. Nesse sentido e para estes, a ditadura não foi um problema, foi
exatamente uma solução encontrada para brecar as lutas dos subalternos para
fazer valer seus direitos: a luta de trabalhadores rurais e urbanos pela
melhoria de suas condições concretas de vida (salários, moradia, lazer, educação,
cultura), a luta de negros, mulheres, minorias religiosas, indígenas,
homossexuais e todos os grupos diferenciados pelo respeito aos seus direitos e
ao exercício de suas diferenças. A luta, todas as lutas pela dignidade, pelo
respeito, pelos direitos, pela igualdade de fruição aos bens da natureza e da
humanidade.
Cabra marcado para morrer pela ditadura "antes" da ditadura. |
É
essencial não esquecer que as forças armadas foram instrumentalizadas para
fazer esse serviço sujo para grandes empresários, banqueiros, latifundiários,
burocratas de alto calibre, intolerantes de toda a espécie, enfim, essa fauna
de hienas que apoiou entusiasticamente o golpe militar e que usa todos os meios
para manter seus privilégios, mesmo após terem deixado de contar com a
necessidade do recurso manu militari
para tentarem perpetuar seu status quo.
Indispensável, ainda, frisar que a maior parte dos veículos de comunicação
apoiou o golpe e o regime, sendo, no mínimo, um show de hipocrisia das
organizações Globo e grupos quejandos, que procuram se colocar como vítimas de
um regime do qual foram beneficiários. Se tivessem maior (ou alguma) inteligência,
os milicos de pijama e suas viúvas, em vez de tentarem fazer histriônicas “novas”
marchas da família, deveriam avaliar como foram serviçais do grande capital e, logrados
pela insânia anticomunista, acabaram por levar toda a culpa por uma tragédia da
qual são sócios em larga medida, mas não atores exclusivos.
Além
do horrendo massacre dos opositores políticos, não podemos deixar de lembrar do
massacre cotidiano de pobres nas favelas ou no campo, que também são atos de
repressão política, levados à frente por gente do naipe dos esquadrões da
morte, mão branca e todo esse tipo de psicopatas que atuaram nas margens
semi-legais do regime. Não há de se esquecer, também, das vultuosas negociatas
feitas à sombra do autoritarismo, que desmentem cabalmente a mentira de que não
havia corrupção na ditadura: havia e muita, escondida pela censura e pela
repressão. Não podemos esquecer, também, de tantos parlamentares e juízes e
outras autoridades, que exerciam vilmente o servilismo às autoridades títeres
do grande capital.
A repressão política da ditadura. |
A repressão social da ditadura. |
Esse lado civil da ditadura,
hoje, tenta usar todos os meios para disfarçar a continuidade da manutenção de
sua dominação e privilégios, tenta editar a história conforme lhe convém, tenta
apostar na empulhação ou no esquecimento. O mínimo arranhão nesses privilégios,
acende, para eles, o sinal de alerta. Derrubaram João Goulart não por
acreditarem no risco do comunismo iminente (talvez algumas daquelas senhorinhas
alarmadas pelo Padre Peyton), mas por saberem concretamente que seu “bem-bom”
estava em risco; e as hienas não estão dispostas a abrir mão de seu quinhão de
carniça, mesmo que o mesmo exceda em muito o necessário para a sua vida.
A ditadura cotidiana do capitalismo |
Os anos se passam e se
atualizam os processos de dominação e exploração, mas também avançam as formas
de resistência e inteligência que exigem saídas lúcidas para evitar a completa
barbárie que parece muito apetecível às hienas. Precisamos fazer jus à nossa
condição de sapiens.
2 comentários:
...escolhas que realmente exigem coragem: não devemos sugar o trabalho e o esforço alheios, não devemos aceitar que outros sejam explorados ou massacrados em função de suas diferenças ou fragilidades...
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