“O Brasil atravessa uma fase extraordinariamente delicada... é evidente que, despertada do sono cataléptico que dormira, ao embalo dos cantos de sereia... a Nação vê renascer sua consciência política...” General Waldomiro de Lima. Interventor no Estado de São Paulo (1933)
Essa
octogenária citação, reproduzida na íntegra pelos historiadores Carlos Alberto
Vesentini e Edgar de Decca em artigo de 1976, nos faz pensar numa falácia sobre
o suposto sono do povo brasileiro, pretensamente despertado nos últimos dias.
Senão, vejamos:
Não
estavam dormindo as faxineiras, diaristas e toda essa pletora de trabalhadoras
e trabalhadores que estão lutando pelos seus direitos, madrugando nos pontos de
ônibus, enquanto boa parte dos filhos de nossas classes médias e altas gozam de
seu dolce far niente apenas para
torrar o dinheiro dos pais. E não dormem aquelas e aqueles que são responsáveis
pela condição de funcionamento de empresas, Universidades, shopppings,
repartições públicas e todo o tipo de estabelecimentos pelo país afora.
Não
estavam dormindo os trabalhadores rurais, que lutam pelo fim da escandalosa
concentração fundiária no nosso país. Gente que herda a luta secular expressa
em Canudos, Contestado, Ligas Camponesas e os mais diversos e bravos movimentos
de trabalhadores que batalharam e batalham pelo acesso à terra na qual
depositam seu pesado labor.
Não
estavam dormindo os povos indígenas, que lutam secularmente pelos seus direitos
à terra, pelo respeito às suas culturas e que são vítimas diretas do vergonhoso
esbulho que se pratica há cinco séculos contra seus direitos nesse país
tropical. Eles estão despertos e continuam a resistir.
Não
estavam dormindo os trabalhadores urbanos, que reivindicam direitos de moradia
(contra os escandalosos latifundiários urbanos, que especulam e encarecem as
moradias), ou lutam contra a carestia que abate os mais pobres (em movimentos
como o Quebra-quilos, a revolta do vintém, contra o aumento das passagens de
bondes, entre muitas e muitas lutas pelo transporte popular e outros serviços
públicos), que apenas favorece o apetite daqueles que se locupletam com a
exploração do suor do povo.
Não estavam dormindo
aqueles que lutam contra a maior e a mãe
de todas as corrupções, a injustiça social, que é geratriz de todas as
demais. Não dormiam esses que tentam garantir serviços públicos de qualidade e
respeito, serviços esses que são aviltados por interesse de grandes e pequenos esquemas
que sugam as energias de nosso trabalho. Lembremos que a macro e a
micro-corrupção se alimentam nas mesmas tetas.
Não estavam dormindo os
movimentos de negros, de homossexuais, de mulheres, de direitos humanos, enfim,
de todos os grupos vítimas das mais diversas formas de opressão física e moral
que batalham com ardor por respeito, por direitos iguais para as muitas
diferenças. Estes estão avançando, para desespero dos fascistóides de todos os
matizes que querem padronizar vidas e comportamentos. Querem padronizar segundo
seus velhos modelos para excluir.
Não estavam dormindo
aqueles que sabem que a grande mídia é um oligopólio que manipula as notícias
ao bel prazer dos inconfessáveis interesses de grupos de poderosos e
privilegiados que têm instrumentalizado secularmente o Estado brasileiro para
manter toda uma sociedade jungida ao seu gosto por mandar e explorar.
Estejamos alertas: estavam
e estão muitíssimo acordados os grupos de direita e extrema-direita e os
oportunistas e arrivistas de plantão, que tentam usar agentes provocadores para
desestabilizar a democracia pela qual nossa sociedade tem lutado tão
longamente, com coragem cívica e com o sangue de muitos e muitos massacrados em
nome de uma suposta ordem, que apenas pretende manter boa parte do povo como mera
massa produtiva, enquanto esnobam dinheiro nas colunas sociais e arrotam seu
pseudo-patriotismo de ocasião.
Não podemos cair nessa
falácia: o povo está acordado há muito tempo, e não podemos nos deixar iludir
pelas artes da manipulação que tão solertemente tentam se infiltrar nos legítimos
reclames da sociedade. Lembremos: alguns de nossos piores inimigos estão
disfarçados nas passeatas.
Ângelo
Emílio da Silva Pessoa
Professor de História
Um comentário:
Muito importante essa análise e a relevância dos diferentes segmentos sociais lembrados.
Bravíssimo!!!!!
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